Dr. Milton Soares Gomes dos Santos foi um dos membros fundadores do Grupo de Compositores da Bahia (1966). Profissionalmente foi médico (pediatra), tendo-se diplomado em 1939. Apesar de ter tocado piano desde a infância, iniciou seus estudos musicais em 1955, nos antigos Seminários Livres de Música da UFBA, onde estudou composição com H. J. Koellreutter e E. Widmer. Suas primeiras composições datam de 1962: sete anos após ter iniciado o treinamento musical formal. A maturidade dos 46 anos, aliada a um grande talento e sensibilidade, resultou em sucessos desde o início da sua trajetória composicional. Em novembro de 1965, ele foi o detentor do "Prêmio Cidade do Salvador"[1] (do Público, oferecido pela Superintendência de Turismo de Salvador) e Medalha Edgard Santos, pela segunda colocação no 1º Concurso Nacional de Composição da UFBA, com a obra Nordeste (1962).
Em maio de 1969, participou do I Festival de Música da Guanabara, obtendo o 5º Prêmio[2] com a obra Primevos e Postrídios[3], para coro e orquestra, considerada como o trabalho mais abstrato do festival e seu autor, como "um dos concorrentes esteticamente mais avançados " (O Globo, 30/5/69)[4]. Na III Apresentação de Jovens Compositores da Bahia, realizada em novembro do mesmo ano, Milton Gomes obteve novos êxitos com As Crianças (para recitante, vozes e orquestra de câmera, com texto de Jorge de Lima), Septeto (obra didática, para 3 flautas block, 2 vlnos., vib. e pf.) e A Montanha Sagrada, para conjunto de instrumentos Smeták, 1 flauta doce e 1 violoncelo, que obteve o "Prêmio Reitor Edgard Santos"[5] conferido pelo Público em 12.11.1969. No ano seguinte, Septeto foi selecionada pelo Festival Internacional de Música Nova de Darmstadt, para exposição e inclusão em seu arquivo e A Montanha Sagrada foi escolhida para representar o Brasil na Tribuna de Paris (UNESCO). Nessa obra, o compositor explora as combinações dos timbres de Smeták numa estrutura de planos que se superpõem e se entrelaçam, surgindo de quando em quando timbres puros como contrastes. Em 1971, Milton Gomes obteve a 5º colocação no "Concurso Pro-Música" promovido pelo Instituto Cultural Brasil-Alemanha de Salvador, os demais Institutos Goethe no Brasil e a Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA, para a escolha de uma obra destinada à turnê latino-americana do Conjunto Pro Musica de Colônia (Alemanha) com a peça ... e do horizonte carregado de negro.
Nossa pesquisa conseguiu identificar 36 obras compostas por Milton Gomes no curto período de 11 anos. Versatilidade de orquestração, predileção pelos timbres da percussão, gosto pelo trabalho composicional com textos narrados ou cantados, atração por temas sombrios e uma linguagem musical abstrata, caracterizada pela estruturação de planos sonoros, distinguem sua produção.
* A criteriosa elaboração desse texto teve a colaboração especial das filhas do Dr. Milton Gomes, Graziela e Marta Cristina Pedreira Gomes dos Santos, a quem devemos agradecer, assim como à sua mãe, D. Maria Pedreira Gomes dos Santos, não somente pela disponibilização de toda a documentação encontrada sobre seu pai, como também pela permissão para a edição eletrônica de suas obras no projeto "Marcos Históricos da Composição Contemporânea na UFBA".
[1] Prêmio no valor de Cr$200.000,00 (duzentos mil cruzeiros).
[2] Prêmio no valor de NCR$2.000,00 (dois mil cruzeiros novos).
[3] Em entrevista concedida pelos vencedores do concurso a O Globo (2/6/69), Milton Gomes diz que o título de sua música é o que ela representa, em coisas velhas e num plano projetado para o futuro. Esclarece também que utiliza o timbre como elemento estrutural, e que há na obra uma nova dimensão do ritmo.
[4] O Festival teve 91 obras inscritas, classificou 16 semifinalistas que foram executadas em concertos, e teve um júri internacional de 10 membros, presidido pelo crítico italiano Fedele D'Amico (Itália) e incluindo personalidades de grande destaque internacional como Krystof Penderecki (Polônia), Fernando Lopes Graça (Portugal), Franco Autori (EUA), Alcides Lanza (Argentina), Hector Tosar (Uruguai), e Roque Cordero (Panamá).
[5] Prêmio no valor de NCR$ 1.000,00 (hum mil cruzeiros novos).
RELAÇÃO DE OBRAS
Integração (1962), para conjunto misto (fl., ob., cl., fg., vlno., vla., vc., vibr. e gongo);
Nordeste (1962), para sopros, percussão, 3 pianos, coro, narrador, locutor e gravação, sobre texto de Graciliano Ramos e de recortes de jornais e revistas; obra detentora do "Prêmio do Público" no Concurso Nacional de Composição de 1965 e apresentada nesse evento em 30/11 (Teatro Vila Velha) sob a batuta de Sérgio Magnani;
Octeto (1963), para ob., cl., fg., tpa., tpt., vlno., vla., vc. e pf.);
Estrutura para nove instrumentos de percussão (1964), para xil., met., tímp., pr., atab., bfg., ag., mad., guiro. Estreada em 9/7/1964 (Concerto dos Alunos dos Seminários de Música da UFBA, Auditório da Reitoria);
Colagem (1964), para conjunto misto (20 instrumentos);
O id na foz (1964), para conjunto misto: sopros (cl., fg., trpa., tpt., tbn.), percussão (tímp., xil., bmb., ag., mad., guiro, mar.), pf., 2 vlnos., cb.;
Bahia 3 aspectos: Choupanas em Arembepe, Taboão e Rua de Cachoeira (1964), para conjunto de percussão[1];
Contemplação (1964), para conjunto misto (vibr., pf., tmp., pr. guizos, vlno., vla., vc.)
A descrição do martírio (1965), com texto de Ordep Serra, para vibr., tmp., xil., met., bmb., pr., ag., guiro, mad., guizos, coro e narrador; apresentada na VI Apresentação de Compositores da Bahia, em 14/11/1972 sob o título de "O Martírio";
Comunicação Cor e Som (1965), para ob., fg., tpt., tpa., vibr., tmp., pr., bmb. pf., 4 vlnos. e vc.;
Estudos de variações sonoras sobre expressões plásticas de esquizofrênicos (1965): para sopros, perc. e cordas (com projeção de slides);
Quinteto (1965) para fagotes;
Exortação Agônica (1966), para sopros, percussão, narrador e coro; estréia em 16/04/1966, Concerto inaugural do Grupo de Compositores da Bahia;
Estrutura metálica (1966), para metais;
Meditação sobre a Paz (1966), para orquestra; estréia em 17/11/66 e re-apresentações em 26/3/1967 (regência de Rinaldo Rossi) e 6/9/72(concerto comemorativo do Sesquicentenário da Independência do Brasil, maestro Carlos Veiga);
Mensagem (1966), para vozes solistas e orquestra; estréia em 26/3/1967, sob a regência de Rinaldo Rossi (gravada no LP MEC71.002);
Movimentos (1966) para fag. e pf.;
Madrugada após a grande tormenta final (1967), para fl., ob., cl., tpt., perc., pf., 2 vlnos. e vc. (obra estreada em na I Apresentação de Jovens Compositores da Bahia);
Cantos do mundo: a) o canto da esperança; b) canto dos parias; c) berceuse para um menino faminto; d) balada do soldado agonizante; e) canto do solitário (1968). Para coro a cappella, dedicada ao madrigal da UFBA.
Entrada do homem em Jerusalém (1968), para percussão (obra estreada na II Apresentação de Jovens Compositores da Bahia);
Reflexão sobre a eterna continuidade das coisas (1968), para orquestra (obra estreada na II Apresentação de Jovens Compositores da Bahia);
Três momentos no caminho: a) mágoa; b) depressão; c) revolta (1968), para percussão (obra estreada na II Apresentação de Jovens Compositores da Bahia);
Primevos e Postrídios (1969) para coro e orquestra (gravada em LP - LPMIS 014 - pelo Coro de Concertos e Orquestra Municipal do Rio de Janeiro), 5º Prêmio no Festival de Música da Guanabara;
A Montanha Sagrada (1969), para 16 instrumentos Smeták, 1 flauta doce e 1 vc. (obra estreada e premiada na III Apresentação de Jovens Compositores da Bahia, gravada no LP "Compositores da Bahia 2 / UBA - 1001);
As Crianças: a) a alma do menino perdido; b) retrato de Eurídice; c) velório da menina azul; d) o mundo do menino impossível; e) o menino e o mar (1969): para recitante, vozes e orquestra de câmera (obra estreada na III Apresentação de Jovens Compositores da Bahia - 1969)[2];
Septeto (1969), para 3 flautas block, 2 vlnos., vib. e pf. (obra estreada na III Apresentação de Jovens Compositores da Bahia - 1969);
Proclive (1970), para coro e orquestra;
Diálogo do solilóquio (1970), para conjunto de câmera;
Intuição do Precípuo (1970), para conjunto de câmera;
Trio (1970), para vlno., vc. e pf.;
Vórtice (1970), para sopros (obra estreada na IV Apresentação de Jovens Compositores da Bahia);
Um cântico para Saint Leibowitz (1970), para conjunto misto (obra estreada na IV Apresentação de Jovens Compositores da Bahia, em 13/10/1970);
Símbolos, intuitos e manchas (1971)[3]
Prólogo a um prelúdio para o homem cósmico (1971), obra estreada na V Apresentação de Compositores da Bahia (19/11/71);
... e do horizonte carregado de negro (1971) para coro a cappella.
O Navio negreiro (1971), para orquestra, coro e recitante, sobre o poema homônimo de Castro Alves. A estréia ocorreu na Reitoria da UFBA, em 30/6/71, sob a batuta do maestro Carlos Veiga, nas programações comemorativas do centenário de morte do poeta e do 25º aniversário da UFBA.
[1] Numa anotação manuscrita do compositor, provavelmente uma "boneca" de programa de concerto, aparece sob o título CADERNOS DA BAHIA - VOLUME 1 os seguintes subtítulos: a) Choupanas em Arembepe; b) Taboão: c) Rua de Cachoeira; d) Lavagem do Bonfim; e) Paço de S. Francisco do Conde. A indicação de instrumentação é a seguinte: para quinteto de percussão. Isso nos faz supor que "Bahia Três Aspectos" seja uma seleção de uma obra maior.
[2] Na mesma anotação manuscrita mencionada na Nota 1, consta também o título AS CRIANÇAS - Caderno 1, com as seguintes peças: a) a menina e o cão; b) a alma do menino perdido; c) o menino da caatinga; d) o mundo do menino impossível; e) o menino e o mar. A indicação de instrumentação é a seguinte: "para sopros - percussão - cordas - recitante - vozes femininas." Três títulos das peças coincidem com as executadas na III Apresentação de Compositores da Bahia. Duas das peças - Retrato de Euridice e Velório da menina azul - foram provavelmente substituídas para a III Apresentação. As peças podem ter, portanto, datas diferentes de composição.
[3] Não encontramos outras informações acerca dessa obra: instrumentação, estréia, etc.